Fonte: Gazeta Digital, créditos da imagem: João Vieira
Debaixo de viadutos ou pontes, sob lonas ou cobertores amarrados, surgem “moradias” improvisadas, ocupadas por pessoas em situação de rua. Com móveis, animais de estimação e até televisão, as histórias de perda de vínculo familiar, vício em álcool ou drogas (ou ambos) e o desemprego se repetem. Pesquisador na área e professor do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), Juliano Batista dos Santos atua junto à população em situação de rua por meio do projeto Café Solidário.
Ele reforça que o processo de “rua-lização” precisa ser analisado em três momentos: o antes, o durante e o depois de a pessoa ir para a rua. Segundo Juliano, as causas que levam alguém a viver nessa condição são múltiplas, mas três fatores se sobressaem, que seriam o desemprego, fracasso no processo educacional e a anomia social, quando a vida sofre desarranjos profundos.
“Existe a percepção de que a dependência química é causa primária da ida às ruas. Mas, na maioria dos casos, é a consequência de desordens sociais ou emocionais”. Há seis meses, Antônio Carmo Oliveira, 40, vive às margens do rio Cuiabá, debaixo da Orla do Porto, onde construiu com lona, bamboo, alguns móveis improvisados e um fogão a lenha o espaço que hoje chama de casa.
No local, um colchão, uma mesa, bancos e a companhia inseparável de um cachorro. Segundo Antônio, ele veio de Pontes e Lacerda (448 km a oeste) para a capital em busca de emprego na construção civil, mas o trabalho não deu certo e acabou nas ruas.
“Eu morava com minha mãe, sinto muita falta dela e da família, mas não tenho dinheiro para voltar. Também não quero escutar cobrança de ajuda, por isso fico por aqui”. Ele conta que o rompimento com a esposa marcou o início de outro desafio. “Comecei a beber depois que ela pediu a separação”. Revela que não faz uso de drogas, mas admite que o álcool é o grande obstáculo que enfrenta.
Durante a reportagem, Antônio não conteve as lágrimas. Entre lembranças da família e a dura realidade da rua, expôs a contradição que o prende, a vontade de voltar para casa e o medo do julgamento. Ele revela que a rotina nas ruas é marcada por incertezas e insegurança.
“Já fui roubado e nem sempre tenho comida. Às vezes, vou ao Mercado do Porto para procurar alimento em meio ao lixo e também para fazer diária descarregando peixe”.
RODOVIÁRIA
Outra moradia fica debaixo do viaduto da rodoviária. Um aglomerado de cobertores amarrados com cordas forma a parede de um barraco. Ali dentro, há sofá, mesa de centro, cama com colchão, banquinhos de madeira, uma mesa plástica e até uma televisão ligada por uma gambiarra de energia. Entre móveis improvisados e a companhia de três gatos, vivem duas pessoas. Entre elas está Bruno (nome fictício), 28, que há dois meses ocupa o espaço. Ele foi acolhido por outro morador que já vive há um ano no local. Ele conta que eu era casado, evangélico e que sua esposa engravidou.
“A gente não tinha condições e eu acabei cometendo um assalto, fui preso e passei três anos na cadeia”. Após ganhar liberdade, com tornozeleira eletrônica, Bruno não conseguiu retomar os vínculos familiares. Mudou de cidade e está há quatro meses em Cuiabá. Antes de se fixar próximo à rodoviária, circulou pela região da avenida Mato Grosso. Sem emprego fixo, sobrevive carpindo terrenos, enquanto sonha em montar o próprio barraco ao lado daquele onde foi acolhido.
“A mãe da minha filha não deixa eu visitar ela. Eu uso droga, então preferi vir para a rua pra não dar trabalho pra minha família”. Bruno diz que quer recomeçar. “Outro dia passou na porta de uma igreja e deu vontade de entrar”. Mas ressalta que a falta de oportunidades é o que o mantém nas ruas.
Cuiabá tem, atualmente, 1.563 pessoas em situação de rua registradas no Cadastro Único, incluindo aquelas que vivem nas ruas e as que estão em unidades de acolhimento.